quarta-feira, 1 de maio de 2013

histórias e histórias

HISTÓRIAS E HISTÓRIAS
Janete Santos dos Reis[1]


            Inicio este pequeno artigo com uma simples indagação: Para que estudar História? O presidente Franklin Roosevelt, dos Estados Unidos, disse que uma nação somente conhecerá o progresso se conhecer de fato a sua História. Fica a questão: Será que nós brasileiros conhecemos a nossa História? No decorrer das linhas a seguir tire as suas conclusões.
            Um importante historiador francês, Marc Bloch, disse que a História não é feita somente de fatos, pois, estes podem ser facilmente contestados. Ele afirmou no livro “Apologia da História”, que a mesma é feita de versões, pois, pessoas diferentes (e por isso entenda-se classes diferentes) podem interpretar os fatos por ângulos diversos, o que gera as várias visões históricas.
            Em sua intepretação, Marc Bloch ainda afirma que a História é escrita “de cima para baixo”, ou seja, estudamos aquilo que a elite quer que aprendamos. José Murilo de Carvalho, um historiador brasileiro disse que estudamos a História dos vencedores e nos esquecemos da História dos vencidos. Será isso um fato? Vamos analisar tendo como exemplo a História dos africanos.
            Podemos afirmar sem sombra de dúvidas que a História estudada e aprendida em solo brasileira é euro centrista, ou seja, a História dos vencedores. Sabemos muito ou alguma coisa sobre os países europeus, mas nada sabemos sobre o Haiti ou a Guiana, nossos vizinhos, sendo que aquele foi o primeiro país da América Latina a proclamar a sua independência, sendo esta liderada por escravos.
            Em se tratando da História do Brasil estudamos fartamente como se formaram os Estados Nacionais europeus para que pudessem se organizar e em seguida nos colonizar. Na escola decoramos o nome das caravelas guiadas por Cristóvão Colombo, reescrevemos de inúmeras maneiras a carta de Pero Vaz de Caminha; sabemos que no início Portugal e Espanha disputavam as nossas terras e que também logo após os franceses quiseram entrar na briga.
            Em 322 anos de colonização aprendemos sobre a catequização dos indígenas, mas pouco valor demos à cultura do próprio índio, que raramente é citada nos livro didáticos. Aprendemos sobre as várias revoltas do período colonial e a sua economia, além de entendermos que os principais trabalhadores eram os negros escravizados. Mas nunca nos atemos de fato à cultura do negro. Ele era visto somente como escravo, e quando se fala da sua cultura, esta fica restrita à capoeira, a feijoada (que segundo alguns era um prato típico português adaptado pelos negros, e nada tem de romântico da história de se juntar os restos dos seus senhores para se alimentar) e tem também o samba, somente.
            Em 67 anos de monarquia nada mudou, somente em 1888 o negro deixou de ser escravo e foi “jogado” na sociedade, mas sem uma única política de inserção social. Os anos seguintes não caracterizaram melhorias, pois, o governo brasileiro lançou a “política do branqueamento” em que incentivava a vinda de europeus para o país, já que, “estudos” de médicos e cientistas como Nina Rodrigues mostravam que o negro era incapaz de ascensão social devido à sua inabilidade intelectual. Então até este momento da História do Brasil todos esses fatos são largamente estudados, pergunte a qualquer brasileiro com conhecimento mínimo quem foram as pessoas que “formaram” a nossa sociedade, você terá como resposta: os portugueses, alemães, italianos, citando claramente aos nações europeias, mas responderam também os negros, de modo generalizado, pois ninguém nunca se perguntou quem era esse povo e saber que eles advinham da África já é suficiente, ninguém nunca parando para pensar se tinham a mesma cultura, se falavam a mesma língua, enfim “todo negro é igual”. Só salientando, vieram de regiões diferentes, tinham cultura, língua e religião diferente.
            Ainda na Primeira República, era necessário criar os heróis nacionais, pois, a História serve à nação (entenda-se governantes), ela cria mitos, mas também pode desmistificar. E o primeiro grande herói foi Tiradentes, por quê? Primeiro ele era branco, segundo ia contra os portugueses, era a chance de desvincular de vez a ideia de monarquia da cabeça da população e consolidar a República. Só tem um pequeno problema, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, nada fez, porque a Inconfidência Mineira foram somente planos de uma “revolução” abrangente a Minas Gerais e benéfica a elite cansada de pesados impostos. A “revolução” nunca aconteceu, nunca saíram dos planos. Mas em período similar tínhamos vários outros líderes e várias revoltas, como a Revolta dos Malês na Bahia, liderada por negros, caiu no esquecimento. Ganga Zumba, grande líder do Quilombo dos Palmares, quase nunca aparece nos livros didáticos, mas também tínhamos Zumbi, este mais conhecido. Eles sim lutaram por liberdade, mas não poderiam ser postos como heróis porque eram negros, e as práticas culturais negras como capoeira e as religiões afro-brasileiras eram proibidas, sendo a sua prática punida com prisão. Assim só restava um líder branco, até então sem destaque algum na sociedade, mas que foi resgatado da morte e das profundezas do esquecimento para se tornar patrono das polícias dos estados brasileiros e representante da liberdade da nação, se esquecendo que quem mais lutou por liberdade foram os negros.
            Cronologicamente temos o governo Vargas, a redemocratização do Brasil, a Ditadura Militar e a História continua a ser contada da mesma maneira, até que aparece a nova democratização brasileira e todos os cidadãos ganham os mesmos direitos. Só tem uma outra questão: todos são de fato tratados de maneira igual?
            O negro foi escravizado por 356 anos, após o fim da escravidão a prática da sua cultura foi proibida, depois é liberada, mas o estrago cultural já havia sido feito. Durante praticamente quatro séculos ouviram dizer que a sua cor de pele era feia, seu cabelo é feio, sua cultura e religiosidade é coisa do demônio (assim pensam grande parte dos brasileiros em relação às religiões afro-brasileiras), o negro então começa a ter preconceito contra a sua própria cor e cultura, se ele não é aceito de uma forma, tentará ser através da negação das suas origens.
            Muitos irão alegar não existir preconceito racial no Brasil dizendo, “mas a cor negra é linda”, mas esquecem que esta cor está associada a coisas ruins, como escuridão, medo, cegueira, sendo assim entendida pelo subconsciente. Mas se não existe o preconceito de pele, podem afirmar não terem preconceito cultural? Se um amigo te convida para ir à um culto evangélico ou católico você vai, afinal é cristão. Se te chama para frequentar a macumba, a reação é “Deus me livre, tenho medo dessas coisas do capeta”. Afinal macumba lembra demônio, já que inconscientemente aprendemos e transmitimos essa ideia. E assim mesmo de modo generalizado, não distinguindo uma religião da outra, pois, muitos não sabem que Macumba, Umbanda e Candomblé são religiões diferentes, e por terem medo de conhecer essa cultura, se enchem de preconceitos, e afirmam estarem cobertos de razão, e se afastam.
            O povo brasileiro conhece a cultura do branco, afinal vivenciamos ela cotidianamente, é a nossa língua, a nossa crença, as nossas vestimentas, nossa música, nossa alimentação. Mas e o negro? Sempre escravo? Somente capoeira e samba? Nunca nos ofereceram nada além? Na África todos são iguais? A cultura era diferente da europeia? Como saber isso se muitos consideram estudar História da África algo carregado de preconceito, alegando não ser necessário, já que reforça uma ideia preconceituosa. Não entendo essa premissa, mas assim dizem.
            E para finalizar o artigo, respondo a última questão sobre todos terem os mesmos direitos. Segundo doutrinadores do Direito no Brasil, os desiguais devem ser tratados de modo desigual, para que num futuro próximo tenham as mesmas chances. Nessa ideia entra a Lei Maria da Penha, que sai em defesa das mulheres em uma sociedade machista, e a Lei de Cotas Raciais, sendo esta última amplamente discutida. E também a obrigatoriedade em se trabalhar em sala de aula História da África, afinal esta nunca foi estudada, assim, como ainda não o é a História do Índio.
            Assim devemos nos lembrar e conscientizar que os vencedores contam a História e nós a propagamos com respaldo e preconceitos. 21 de abril, feriado nacional, a felicidade do povo em descansar em memória a alguém que nada fez. 19 de abril, poucos se lembram e nem feriado é, afinal, o que o índio tem ou fez de importante? 13 de maio, a data que marcou o fim da escravidão no Brasil, não entra na pauta dos feriados e por muitos nem é lembrado, pois, eles eram os vencidos e não devem ser homenageados.
            A igualdade é uma utopia, pois todos devem ser tratados nas suas especificidades, até que as desigualdades latentes transparareçam. Por isso existem leis de proteção ao deficiente físico e mental, ao idoso, à mulher, à criança, e também leis que punem a discriminação e o racismo, essas últimas dependendo da compreensão do legislador.
            Então ensinar História da África, ou do negro como alguns falam, é relevante para que desmistifique a demonização da cultura afro-brasileira, pois, por mais que uns neguem esse preconceito é perpetrado, ainda que inconsciente.



[1] Graduada em História e pós-graduada em Ciências da Religião pela Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES.  obs...Minha irmã que eu amo...

2 comentários:

  1. Que texto !
    Acabei me sentindo orgulhoso , em saber que tudo o que foi citado , dizendo que não é estudado ou valorizado pelo ensino escolar , está em meu conhecimento , mesmo que breve ou detalhado. Pena que essa virtude do conhecimento , não seja a mesma para todos e , como no texto cita , sempre haverá desigualdade, mas pode desaparecer aquela latente.

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  2. Vlw pelo comentário Léo...O nosso conhecimento é todo momento manipulado, no entanto, é saber ler, ouvir e ver, assim teremos discernimento daquilo que nos é informado...abraços

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